Era uma quinta-feira qualquer. Dia de frutas e verduras no supermercado. Não importa o que acontecesse, aquele doce de jabuticaba caseiro que ele tanto adora tinha que estar pronto para a sobremesa do jantar. Jabuticaba é a fruta favorita dele porque é se assemelha aos olhos dela. Para ela, era uma espécie de símbolo do romantismo que nele raramente aparecia. Ele um bom marido, atencioso e terno, mas é dono de uma personalidade muito pragmática, de poucas palavras e muitos silêncios. Ela, sensível e com imaginação digna de autor de romances com nome de mulher, aprendeu a esperar resignada que um dia receba flores. Ela nunca pediu. Nem sofria por isso.
Quando ela saiu de casa com as sacolas – retornáveis, porque é mais prático e econômico – avistou um casal saindo junto para trabalhar. A moça falando ao celular e o rapaz levando pastas e livros debaixo do braço. Despediram-se com um beijo e cada um entrou em seu carro. Eram recém-casados e se mudaram há poucos meses. Ela ficou admirando aquela cena quando o sinal fechou.
A travessia da rua pareceu um rito de passagem. Um batismo de ar poluído. De repente, como se um sopro lhe entrara pelas narinas e infectasse instantaneamente o cérebro, sentiu-se reduzida a quase nada. Esqueceu por um instante para que ia ao mercado. Questionou sua vida e suas escolhas. Já nas compras, procurou entre as gôndolas e seções alguma coisa que provasse o contrário do que sentia: ela é um objeto. Um pote de plástico que acumula molhos, dores, culpas e vontades e escolhas do outro. Fora anulada pelo título de esposa.
Quando ele chegou em casa, por volta das 6 e meia, a casa estava um brinco. Tudo milimetricamente em seus lugares. Nada de poeira ou pelos no chão. O jantar estava quase pronto. A mesa já posta.
Com o peito inflamado em frustração e lágrimas contidas, ela abre a boca para comentar o que pensara durante o dia.
– Eu queria te falar uma coisa que aconteceu comigo…
– A gente conversa sobre isso depois.
Não conversaram. E com isso, eles seguiram fingindo que se amam, fingindo que não havia problemas, fingindo ser felizes para sempre.
Entretanto, naquela noite, não teve sobremesa.